É qualificado o homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos, conforme art. 121, § 2 º, IX, do CP, introduzido pela Lei 14.344/2022.
É importante destacar que, por força da teoria da atividade, prevista no art 4º do CP, a menoridade deve ser apurada ao tempo da conduta criminosa, incidindo a qualificadora ainda que, ao tempo da morte, a vítima já tivesse completado quatorze anos.
Quanto ao agente que mata a vítima no dia em que ela completa quatorze anos, não responderá pela qualificadora em debate, que só abrange o menor de quatorze anos.
No dia do aniversário, a vítima tem exatos quatorze anos, não sendo assim menor de quatorze anos, de tal sorte que a incidência da qualificadora implicaria em analogia “in malam partem”.
Se o legislador tivesse se referido à vítima que “não é maior de quatorze anos”, como fez no parágrafo único do art. 126 do CP, o dia do aniversário de 14 anos também estaria abrangido pelo tipo penal.
A incidência da qualificadora em análise, para se evitar o “bis in idem”, exclui a agravante genérica de ter sido o crime cometido contra criança (art. 61, II, “h”, do CP).
Quanto ao erro escusável ou inescusável acerca da idade da vítima, afasta a qualificadora, por ausência de dolo, mas a dúvida, por caracterizar dolo eventual, é suficiente para qualificar o delito.
Por outro lado, o §2º-B do art. 121 do CP, também introduzido pela Lei 14.344/2022, prevê que a “pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de:
I – 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade;
II – 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela”.
Sempre que presente uma destas causas de aumento de pena e, ao mesmo tempo, houver outra qualificadora do homicídio, tendo em vista a impossibilidade de cumulá-las, o juiz dará preferência para a qualificadora da menoridade, a fim de se viabilizar a incidência de uma das referidas majorantes.
Assim, no concurso entre qualificadoras, se houver uma destas causas de aumento do §2º-B do art. 121 do CP, o magistrado deve selecionar como qualificadora o fato de o homicídio ter sido cometido contra menor de 14 (quatorze) anos (art. 121, §2º, IX, do CP), nestas condições, se revela mais grave que as demais qualificadoras, que serão então utilizadas como agravantes genéricas ou circunstâncias judiciais, conforme constem ou não do rol dos arts. 61 e 62 do CP.
Convém relembrar que, na primeira fase da aplicação da pena, incide a qualificadora e circunstâncias judiciais, na segunda, as agravantes e atenuantes genéricas, e, na terceira fase, as causas de aumento e diminuição de pena.
Oportuno também destacar que o parágrafo único do art. 68 do CP veda a cumulação de duas ou mais causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal, hipótese em que o juiz aplicará um só aumento, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente.
Assim, caso o júri reconheça as duas majorantes do § 2º-B do art. 121 do CP, só incidirá a do inciso II, que é de maior gravidade, e, nesse caso, a do inciso I, vítima com doença ou deficiência, o juiz a utilizará, na segunda fase da pena, como agravante genérica de ter sido o crime cometido contra enfermo (art. 61, II, “h” do CP).
A primeira majorante prevê o aumento de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade.
O fundamento é a maior proteção conferida aos vulneráveis.
Tanto a deficiência quanto a doença podem se referir a aspectos físicos ou mentais, pois a lei não faz qualquer distinção.
Contudo, para a caracterização da majorante, não basta a deficiência ou doença, sendo ainda necessário que ela implique no aumento da vulnerabilidade da vítima, que é a fraqueza que diminui a possibilidade de defesa.
A outra causa de aumento, exaspera a pena em 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.
Esta majorante prevê a interpretação analógica ou “intra legem”, pois o legislador, após mencionar a fórmula casuística, utiliza-se de uma fórmula genérica, através da qual manda abranger os casos semelhantes.
A fórmula casuística consiste na seguinte enumeração exemplificava: “se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima”. Há a estranha previsão de o agente ser cônjuge ou companheiro da vítima, mas, na verdade, o menor de quatorze anos não pode se casar nem viver em união estável, aliás, a lei civil veda, sem abrir exceção, o matrimônio aos menores de dezesseis anos (art.1.520 do CC).
A fórmula genérica, por sua vez, recai sobre a seguinte oração: “ ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela”.
Vê-se assim que a enumeração da fórmula casuística é exemplificava, porquanto através da fórmula genérica se abarca outros fatos semelhantes, como a babá da criança.
Ressalte-se que o fundamento da majorante, consiste na maior ofensa à moralidade, tendo em vista que o delito acaba sendo praticado por quem deveria proteger a vítima.
De outro giro, o homicídio contra menor de 14 quatorze) anos se tornou qualificado, a partir do advento da Lei 14.344/2022, pois, até então, era causa de aumento de pena de um terço, prevista na parte final do § 4º do art. 121 do CP.
A Lei 14.344/2022, porém, não revogou expressamente a citada parte final do § 4º do art. 121 do CP , de tal sorte que o assunto comporta duas interpretações:
a) não houve revogação tácita, pois esta só se verifica diante da incompatibilidade absoluta entre o novo dispositivo legal e o anterior e, no caso, é possível a compatibilização quando houver mais de uma qualificadora, hipótese em que só uma poderá ter incidência. Dessa forma, em havendo mais de uma qualificadora, o juiz, ao aplicar a pena, fora das hipóteses do § 2º-B do art. 121 do CP, não se utilizaria da menoridade como qualificadora, aplicando-a, contudo, como causa de aumento de pena, com base na parte final do § 4º do art. 121 do CP. De fato, se a jurisprudência aceita que uma qualificadora, após ser reconhecida pelo júri e depois descartada pelo juiz presidente em função da existência de outra, seja utilizada como agravante genérica ou circunstância judicial, não há também razão lógica para impedir a sua incidência como causa de aumento de pena.
b) houve revogação tácita, porquanto a circunstância, no âmbito do mesmo tipo penal, não pode, no plano legislativo, figurar simultaneamente como qualificadora e causa de aumento de pena, sob pena de violação do princípio constitucional da individualização da pena, em seu aspecto legislativo ou abstrato (art. 5 º, XLVI, da CF). Dessa forma, em havendo mais de uma qualificadora, caso a escolhida pelo magistrado não seja a do art. 121, § 2 º, IX, do CP, o juiz a utilizará como agravante genérica de ter sido o crime cometido contra criança, nos termos do art. 61, II, “h”, do CP,; mas, se a vítima menor de quatorze anos já havia completado doze anos, não sendo assim mais criança, o magistrado deverá então empregar a referida menoridade como circunstância judicial (art. 59 do CP).
Filio-me aos adeptos da primeira exegese, porquanto se a qualificadora não utilizada como tal pode ser empregada como agravante genérica ou circunstância judicial, conforme a hipótese, com maior razão também poderá ser aplicada como causa de aumento de pena, pois esta tem maior proximidade com a qualificadoras.