FRAUDE COM A UTILIZAÇÃO DE ATIVOS VIRTUAIS, VALORES MOBILIÁRIOS OU ATIVOS FINANCEIROS - Curso FMB

FRAUDE COM A UTILIZAÇÃO DE ATIVOS VIRTUAIS, VALORES MOBILIÁRIOS OU ATIVOS FINANCEIROS

FRAUDE COM A UTILIZAÇÃO DE ATIVOS VIRTUAIS, VALORES MOBILIÁRIOS OU ATIVOS FINANCEIROS

 

Autor: Flávio Augusto Monteiro de Barros

 

Conceito

Dispõe o art. 171-A do CP:

“Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.”

O delito em análise, introduzido pela Lei nº 14.478/2022, que cuida dos ativos virtuais, assemelha-se ao estelionato, mas dele se distingue em três aspectos:

  1. é crime formal, ao passo que o estelionato é crime material;
  2. a ação penal é pública incondicionada;
  3. a pena é bem mais branda.

Sujeito Ativo

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa.

Não há necessidade, para responder por este delito, malgrado a opinião contrária do prestigiado Rogerio Sanches Cunha, que o agente exerça atividade de gestão financeira do patrimônio alheio, pois o tipo penal não exige qualquer qualificativo especial do sujeito ativo.

Objetividade Jurídica

O bem jurídico tutelado é o patrimônio, tendo em vista que o tipo penal em análise se encontra previsto no Título II da Parte Especial do Código Penal.

A competência é da justiça estadual, pois não se trata de crime contra o Sistema Financeiro Nacional nem contra o Mercado de Capitais, afastando-se assim a incidência do art. 109, VI, da CF.

Sujeito Passivo

O sujeito passivo deve ser pessoa ou pessoas determinadas, pois o tipo se refere à vítima como sendo “alguém”.

No tocante ao golpe da pirâmide de ativos financeiros, configurará o delito em análise apenas quando recair sobre pessoa ou pessoas determinadas.

Se, ao revés, o público alvo for um número indeterminado de pessoas, ainda que algumas vítimas sejam determinadas, o enquadramento típico será o seguinte:

  1. a) crime contra o mercado de capitais, previsto na Lei 4.728/1965, quando se tratar valores mobiliários, virtuais ou em papéis, disciplinados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
  2. b) crime contra o sistema financeiro nacional, previstos na Lei 7.492/1986, quando se tratar de ativos financeiros, virtuais ou em papéis, regulados pelo Banco Central do Brasil. Aliás, as prestadoras de serviços de ativos virtuais disciplinados pelo Banco Central, com o advento da Lei nº 14.478/2022,  se tornaram também  instituições financeiras para os fins da Lei nº 7.492/1986, de tal sorte que as condutas praticadas no âmbito dessas empresas podem, em tese, configurar crimes contra o sistema financeiro nacional.
  3. c) crime contra a economia popular, previsto na Lei 1.521/1951, quando se tratar de ativos financeiros, virtuais ou em papéis, não disciplinados pelo Banco Central nem pela Comissão de Valores Mobiliários.

Elementos Objetivos do Tipo

Os núcleos do tipo são os verbos organizar, gerir, ofertar, distribuir e intermediar.

Nos quatro primeiros, o objeto material é a carteira de ativos financeiros e no último as operações de ativos financeiros.

Para efeito didático, podemos desdobrar a conduta típica em dois blocos:

  1. a) organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteira de ativos financeiros;
  2. b) intermediar operações de ativos financeiros.

Trata-se de tipo penal misto alternativo, pois a reiteração sucessiva destas condutas contra a mesma vítima, no âmbito do mesmo contexto fático, caracteriza crime único, por força do princípio da alternatividade.

Organizar é planejar ou idealizar para a vítima. a carteira de ativos financeiros.

Gerir é administrar ou gerenciar para a vítima a carteira de ativos financeiros.

Ofertar é propor ou convidar a vítima para que ela adquira a carteira de ativos financeiros.

Distribuir é repartir, dividir ou separar para a vítima os componentes de sua carteira de ativos financeiros.

Por fim, intermediar é interceder ou interferir em operações de ativos financeiros da vítima.

Quanto à carteira de ativos financeiros, é a reunião destes investimentos, com o objetivo de fazê-los crescer.

Para que haja uma carteira de investimentos, impõe-se a presença de pelos dois ativos financeiros, ainda que da mesma espécie, prescindindo-se assim da diversificação, mas o assunto poderá ensejar polêmica, afinal a pluralidade é uma das características de toda carteira de investimentos.

As operações financeiras, por sua vez, são as ações ou procedimentos de alienação, transferência ou aplicação de ativos financeiros.

Como se pode perceber, o tipo penal em análise não prevê as condutas de organizar, gerir, ofertar ou distribuir operações de ativos financeiros nem a de intermediar carteira de ativos financeiros.

Convém esclarecer que ativos financeiros são os títulos e contratos, virtuais ou em papéis, que podem ser convertidos em pecúnia.

Como o tipo penal se refere a “quaisquer ativos financeiros”, força então convir que abrange tanto os instituídos por lei como também os criados por particulares.

Quanto à moeda nacional e moedas estrangeiras, bem como a moeda eletrônica, não se classificam como ativos financeiros (art. 3º da Lei nº 14.478/2022).

Por consequência, o tipo penal em debate não abarca, por exemplo, a fraude com moedas estrangeiras.

Em contrapartida, a moeda virtual, por exemplo, bitcoin, se classifica como ativo financeiro, podendo servir de objeto material do delito em questão.

No tocante à moeda eletrônica, consiste nos recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento (art. 6º, VI, da Lei 12.865/2013). Exemplos: cartão de crédito, cartão de débito, cartão pré-pago.

Não se confunde com a moeda virtual, pois esta é a representação digital de valor que não é emitido pelo Banco Central nem por outra autoridade monetária.

Assim, enquanto a moeda eletrônica é oficial, tendo, pois, o seu valor expresso em real, a moeda virtual é não oficial e o seu valor deriva da confiança das regras que a cercam.

No tipo penal em estudo, o legislador fez uso da interpretação analógica, empregando primeiramente a fórmula casuística (ativos virtuais e valores mobiliários) e depois a fórmula genérica (quaisquer ativos financeiros).

Como se vê, os ativos virtuais e os valores mobiliários não passam de espécies do gênero ativos financeiros.

A propósito, entende-se por ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento (art.  3º da Lei nº 14.478/2022). Exemplos: Bitcoin, Ethereum, Binance coin, Cardano, Tether, Solana, XRP, Polkadot, Dogecoin e USD Coin.

Valores Mobiliários, por sua vez, são os títulos de crédito emitidos pelas sociedades anônimas ou sociedades em comanditas por ações. Exemplos: ações, debêntures, partes beneficiárias e commercial paper.

Ajunte-se ainda que, para que o delito se caracterize, além de organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteira de ativos financeiros ou então intermediar operações de ativos financeiros, é ainda preciso que o agente ou alguém com quem esteja conluiado induza ou mantenha a vítima em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Noutras palavras, é essencial a fraude, consistente na prática de qualquer meio enganoso, pois, estando a vítima ciente ou na dúvida sobre o engodo, não há falar-se no delito em análise.

Quanto à má-fé da vítima, que tem consciência dos eventuais meios ilícitos para se fazer o investimento financeiro crescer, não exclui o crime, pois o tipo penal não condiciona a tipicidade à presença da boa-fé.

Elemento Subjetivo do Tipo

O elemento subjetivo é o dolo, que consiste na vontade consciente de realizar, mediante fraude, uma das condutas descritas no tipo penal.

Além disso, ainda se exige o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio.

Se, malgrado a fraude, a vantagem visada for lícita, não há falar-se no delito em debate.

A vantagem visada, para uma corrente, que se me afigura mais correta, em atenção ao bem jurídico protegido, deve ser econômica.

Outra, porém, admite também o fim de obter vantagem não econômica, por exemplo, casamento.

Ambas as correntes, contudo, exigem que o prejuízo visado com a conduta seja econômico, pois se trata de crime contra o patrimônio.

Consumação

Trata-se de crime formal, consumando-se com a prática de uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de se obter vantagem ou causar prejuízo à vítima, distinguindo-se assim do estelionato, que é crime material.

Tentativa

Admite-se a tentativa, quando a conduta criminosa não ingressa na esfera de conhecimento da vítima, por circunstâncias alheias à sua vontade. Exemplo: o agente, por escrito, oferece ativos financeiros para a vítima montar uma carteira de investimentos fraudulentos, mas a missiva é extraviada antes de chegar até ela.

 

Violação do princípio da proporcionalidade da pena

No delito em estudo, a pena abstrata, que é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se revela inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade da pena.

Com efeito, em sendo a conduta direcionada a um número indeterminado de pessoas, o que torna o fato mais grave, o agente responderá por crime contra a economia popular ou contra o sistema financeiro nacional ou ainda contra o mercado de capitais, previstos respectivamente nas Leis 1.521/1951, 7.492/1986 e 4.728/1965, cujas penas abstratas são infinitamente menores.

Se, porém, a conduta se dirigir a pessoa ou pessoas determinadas, o que torna o fato menos grave, o enquadramento será no tipo penal em estudo, que no plano fático é mais brando, não se justificando assim uma pena abstrata maior.

Ação Penal

A ação penal, diante do silêncio da lei, é pública incondicionada.

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